domingo, 26 de janeiro de 2014

Carta ao Dux via Pés no Sofá


Ando há que tempos para escrever aquilo que penso sobre o silêncio do sobrevivente do Meco. Até que dei com este texto, publicado no blogue Pés no Sofá, e pensei "é isto mesmo". Por isso, aqui vai:

"Dux:

Ando aqui com esta merda entalada há já algum tempo. A ouvir as diferentes versões, a pensar nas dúvidas e a pôr-me no lugar das pessoas. Tento pôr-me no lugar dos pais dos teus colegas que morreram. Mas não quero. É um lugar que não quero nem imaginar. É um lugar que imagino ser escuro e vazio. Um vazio que nunca mais será preenchido. Nunca mais, Dux. Sabes o que é isso? Sabes o que é "nunca mais"?

A história que te recusas a contar cheira cada vez mais a merda, Dux. Primeiro não falavas porque estavas traumatizado e em choque por perderes os teus colegas. Até acredito que estivesses. Agora parece que tens amnésia selectiva. É uma amnésia conveniente, Dux. Se calhar não sabias. Ou então andas a ver se isto passa. Mas isto não é uma simples dor de cabeça, Dux. Isto não vai lá com o tempo nem com uma aspirina. Já passou mais de 1 mês. Continuas calado. Mas os pais dos teus colegas têm todo o tempo do mundo para saber a verdade, Dux. E vão esperar e lutar e espremer e gritar até saberem. Porque tu não tens filhos, Dux. Não sabes do que um pai ou uma mãe é capaz de fazer por um filho. Até onde são capazes de ir. Até quando são capazes de esperar.

Vocês, Dux... Vocês e os vossos ridículos pactos de silêncio. Vocês e as vossas praxes da treta. Vocês e a mania que são uns mauzões. Que preparam as pessoas para a vida e para a realidade à base da humilhação, da violência e da tirania. Vou te ensinar uma coisa, Dux. Que se calhar já vai tarde. Mas o que prepara as pessoas para a vida é o amor, a fraternidade, a solidariedade e o civismo. O respeito. A dignidade humana e a auto-estima. Isso é que prepara as pessoas para a vida, Dux. Não é a destruí-las, Dux. É ao contrário. É a reforçá-las.

Transtorna-me saber que 6 colegas teus morreram, Dux. Também te deve transtornar a ti. Acredito. Mas devias ter pensado nisso antes. Tu que és o manda-chuva, e eles também, que possivelmente se deixaram ir na conversa. Tinham idade para saber mais. Meco à noite, no inverno, na maior ondulação dos últimos anos, com alerta vermelho para a costa portuguesa? Achavam mesmo que era sítio para se brincar às praxes, Dux? Ou para preparar as pessoas para a vida? Vocês são navy seals, Dux? Estavam a preparar-se para alguma missão na Síria? Enfim. Agora sê homenzinho, Dux. E fala. Vá. És tão dux para umas coisas e agora encolhes-te como um rato. Sabes o que significa dux, Dux? Significa líder em latim. Foste um líder, Dux, foste? Líderes não humilham colegas. Líderes não "empurram" colegas para a morte. Líderes lideram por exemplo. Dão o peito e a cara pelos colegas. Isso é um líder, Dux.

Não sei o que isto vai dar, Dux. Não sei até que ponto vai a tua responsabilidade nesta história toda. Mas a forma como a justiça actua neste país pequenino não faz vislumbrar grande justiça. És capaz de te safar de qualquer responsabilidade, qualquer que ela seja. Espero enganar-me. Vamos ver. O que eu sei é que os pais que perderam os filhos precisam de saber o que aconteceu. Precisam mesmo, Dux. É um direito que eles têm. É uma vontade que eles precisam. Negá-los disso, para mim já é um crime, Dux. Um crime contra a humanidade. Uma violação dos direitos humanos fundamentais. Só por isso Dux, já devias ser responsabilizado. É tortura, Dux. E a tortura é crime.

Sabes, quero me lembrar de ti para o resto da vida, Dux. Sabes porquê? Porque não quero que o meu filho cresça e se torne num dux. Quero que ele seja o oposto de ti. Quero que ele seja um líder e não um dux. Consegues pereceber o que digo, Dux? Quero que ele respeite todos e todas. Que ele lidere por exemplo. Que ele não humilhe ninguém. Que seja responsável. Que se chegue à frente sempre que tenha que assumir responsabilidades. Que seja corajoso e não um rato nem um cobardezinho. Que seja prudente e inteligente. E quero me lembrar também dos teus colegas que morreram. Porque não quero que o meu filho se deixe "mandar" e humilhar por duxezinhos como tu. Não quero que ele se acobarde nem se encolha perante nenhum duxezinho. Quero que ele saiba dizer "não" quando "não" é a resposta certa. Quando "não" pode salvar a sua dignidade, o seu orgulho ou até a sua vida. Quero que ele saiba dizer "basta" de cabeça erguida e peito cheio perante um duxezinho, um patrãozinho, um governozinho ou qualquer tirano mandão e inseguro que lhe apareça à frente. É isso que eu quero, Dux. Quem o vai preparar para a vida sou eu e a mãe dele, Dux. Não é nenhum dux nem nehuma comissão de praxes. Sabes porquê, Dux? Porque eu não quero um dia estar à espera de respostas de um cobarde com amnésia selectiva. Não quero nunca sentir o vazio dos pais dos teus colegas. Porque quero abraçar o meu filho todos os dias da minha vida até eu morrer, Dux. Percebeste? Até EU morrer. EU, Dux. Não ele."

Uma vez mais, lembro que este texto não é da minha autoria, embora subscreva cada palavra nele escrita. A ele apenas acrescento que, a provar-se que as mortes foram uma consequência directa da praxe que estava a ser infligida aos estudantes (e tudo indica que sim), a isso chama-se homicídio involuntário. Vezes seis, ainda por cima. E que o sobrevivente tem que ser responsabilizado pelos seus actos, embora não tenha tido a intenção de matar ninguém. Porque a verdade é que, para todos os efeitos, se não fosse ele... os seis jovens ainda estariam vivos.

Pode ser que assim se acabe de uma vez por todas com as praxes. Ou se mude para um tipo de praxes diferente. Porque ainda há poucos mas muito bons exemplos, como este aqui.

10 comentários:

Camila disse...

Cada pessoa tem sua opinião. Na minha modesta opinião, que vale o que vale, a culpa não é da praxe ou do dux. A culpa é de quem se foi lá meter no mar. Tenho pena é dos pais, apenas.

Mary disse...

Concordo contigo, Camila: os intervenientes também tiveram culpa. A verdade é que ninguém lhes apontou uma pistola à cabeça para os obrigar a aceitar as praxes. Aliás, por mais influente e carismático que fosse o pseudo-dux, não cabe na cabeça de ninguém terem obedecido cegamente a uma pessoa que, para todos os efeitos, não era mais nem menos que elas.

Ainda assim, acho que o sobrevivente deve uma satisfação (verdadeira, de preferência, e não o conto do "estávamos todos sentados à conversa e uma onda levou-os") às famílias; e que deve ser responsabilizado pelos seus actos.

urmystars.blogspot.pt disse...

Todos têm que ser responsabilizados pelos atos: O Dux que liderou a coisa (??) e os que a obedeceram tipo rebanho sem vontade própria. Estes já sofreram a condenação da sua escolha (RIP), o outro ainda não foi responsabilizado por nada.

Catarina disse...

Eu também acho que ele já devia ter dito qualquer coisa, ainda que não queira dar a cara (pode não ter a coragem necessária para isso), já devia ter mandado uma explicação às famílias....

Elisabeth disse...

Um fim muito triste e trágico para os 6 jovens e com futuro pela frente e pais em sofrimento extremo.
Não vou relatar mais uma vez o que já foi dito por pessoas indignadas..

Apenas dizer que esse Dux e outros, um dia serão pais..

Juanna disse...

Não concordo nada com este texto. É um tema demasiado delicado para se mandarem palavras para o vento. Nenhum de nós sabe se ele não fala (que já começou a falar) porque a polícia assim mandou. Ninguém sabe se o dux estava, naquele momento, de joelho no chão ao lado dos colegas em amena brincadeira, fumando cigarros e conversando. Ninguém sabe se ele deu a mais mínima ordem e os colegas, à laia de imbecis sem vontade própria, obedeceram. Ninguém sabe se não estavam apenas 7 amigos a passar um fim-de-semana maluco todos juntos. Não vamos culpar ninguém. Em caso extremo, culpemos os pais destes chavalinhos por deixar 6 putos de 18 aninhos ir passar fins-de-semana fora com pessoas acabadas de conhecer. Ah e por não terem inculcado aos filhos o orgulho próprio e a sabedoria de dizer NÃO quando necessário. Parece injusto falar sem saber, não acham? Por isso fico calada e creio que foi apenas uma brincadeira de amigos que correu muito mal. Ou já se esqueceram do carro com 5 putos lá dentro que há uns anos atravessou a linha de comboio perto de Santos e lá ficou esmagado por um comboio? A culpa é dos vendedores de bebidas dos bares? A culpa é de todos os que não sabem parar, ou seja, todos e cada um de nós porque todos e cada um nós já fez e fará...merda.

Mary disse...

Olá, Juanna,

Conforme já escrevi ali em cima, também acho que as seis vítimas tiveram culpa nisto tudo. Aliás, digo-te mais: acho que foram os principais culpados do sucedido, pelos motivos que tão bem enunciaste.

Mas a verdade é que eles já cá não estão para contar o que aconteceu. E a única pessoa que está, está calada que nem um rato. Até pode ser que estivessem todos sentados à conversa quando aquilo aconteceu (duvido), mas "a provar-se que as mortes foram uma consequência directa da praxe que estava a ser infligida aos estudantes ", digo e repito que ele tem que pagar pelo que fez. Porque para dizer a verdade... não resta mais ninguém.

Juanna disse...

Se se souber que eles foram levados pelas ondas em consequência de tamanha tolice como "cheguem-se às ondas em pleno inverno e alerta vermelho na costa porque o duque das praxes é o el-rei e manda", então sim, é negligência que matou. Seja como for, aprendi uma grande lição com isto, mais uma coisa para ensinar às minhas filhas, infelizmente à custa do sofrimento eterno e horrendo de pais.

pés no sofá disse...

O texto que escrevi não são palavras mandadas ao vento. Nada do que escrevo no meu blog são palavras mandadas ao vento. Todas são palavras sentidas, pois foi um blog que criei para dar a minha perspectiva de vida enquanto pai. O meu texto, que foi escrito de forma simbólica e figurada tem sido muitas vezes mal interpretado tanto por quem é "a favor" como quem "é contra". A única acusação que lhe faço é por não falar. É um adulto, não uma criança. Pedia-se apenas que falasse com os pais. Só isso. Até porque quem não deve não teme. Se ele é completamente inocente, mais razão tinha para dar um abraço naqueles pais e explicar-lhes o que aconteceu. Não é aos media. É aos pais dos que morreram. Assim, talvez até conseguisse fazer alguma paz consigo mesmo, além de "ajudar" os pais a fazerem o luto. Já disse várias vezes, não acho que ele tenha morto ninguém, nem o acuso dessa responsabilidade. E acredito que ele esteja perturbado. Mas passou mais de 1 mês. Não acredito que os pais dos que morreram estejam menos perturbados. Quanto às praxes, as que critico no texto são todas as que subjugam, humilham, degradam ou insultam a condição humana. Seja fisica ou psicologicamente. Essas são as praxes a que me refiro no texto. Fui praxado sim. E na Lusófona sim. Mas nunca fui desrespeitado ou humilhado. Nem eu deixaria que fosse doutra forma. Os duxs que me refiro, são todos os que são ou foram carrascos e irresponsáveis na sua condição de líders das comissões de praxes. E nunca referi que ele era o único responsável nisto tudo. Aliás está lá bem patente no texto que considero que as vítimas também tiveram responsabilidade. Eram também adultos e poderiam e deveriam ter dito que não. E quando escrevo o texto, é de forma figurada, precisamente para explicar que não quero que o meu filho seja nem um nem outro. Quero que o meu filho respeite a individualidade dos outros, como também quero que ele seja capaz de impôr esse respeito a si mesmo, ou seja, não deixar que ninguém desrespeite a sua individualidade. Quero que ele tenha coragem para assumir responsabilidade ou enfrentar adversidades quando assim for necessário. Quero que ele seja prudente e tente usar o bom senso. Quero-o feliz e nos meus braços. Tão simples como isso. Quem leu qualquer outra coisa no meu texto que não isto, é porque quer ver outra coisa. Porque é exactamente isso que lá está. E é verdade que só a vida irá ditar se o meu filho será isso tudo que eu quis. Mas isso não me impede de querer o melhor para ele.

pés no sofá disse...

ah! quase me esquecia. bom blog. vou seguir. :)