Hoje apetece-me falar da crise. Em princípio será a primeira e última vez, que este blogue é um espaço leve, descontraído e bem disposto e não tem por objectivo deprimir ninguém. Ainda assim, apetece-me verbalizar o evidente - e dizer aquilo que ninguém parece querer dizer.
Então aqui vai: os principais culpados da crise somos nós. Não é (só) o governo, nem os bancos, nem a má sorte, mas sim nós, os portugueses. Por esta altura já devem estar de boca aberta a olhar para o computador e a pensar "esta passou-se!"; mas peço-vos que fiquem por aí e me acompanhem só mais um pouco, pode ser?
Ora, o principal réu de todas as crises, o eterno culpado de toda a desgraça é sempre "o governo". É nele que os portugueses descarregam a sua revolta e centralizam grande parte do mal que lhes cai em cima. E não deixa de ser verdade. Mas esquecem-se que não se trata do último governo apenas, mas sim de uma sucessão deles, uns piores que os outros - eu, por exemplo, acho que o governo de José Sócrates contribuiu particularmente para o estado das coisas, mas outros pensarão o contrário, que isto as histórias têm tantos lados quantas as personagens que nelas participam. Ainda assim, parece-me ser impossível canalizar tudo n"o governo", essa entidade quase asbtracta que constitui o muro das lamentações preferido dos portugueses.
Depois, temos a história dos bancos. E aqui, meus caros leitores, é que a porca torce mesmo o rabo. Porque se é verdade que os bancos emprestaram dinheiro a toda a gente, negligenciando de forma grosseira a taxa de esforço das famílias, também é verdade que ninguém obrigou os portugueses a lhes pedirem dinheiro. E se os portugueses pedem dinheiro para tudo! Como se não lhes bastasse a prestação da casa que maioria é obrigada a pagar, ainda pedem dinheiro para o(s) carro(s), para a televisão, para os electrodomésticos e até para as férias! Sim, porque o português morre se não trocar de carro de quatro em quatro anos, se não tiver uma televisão do tamanho da sala e se não passar as férias da Páscoa no Brasil ou em Cabo Verde! Tudo pago a crédito e, por vezes, com recurso a empréstimos tipo Cofidis para pagar os créditos anteriores. Uma verdadeira pescadinha de rabo na boca.
Com isto não quero dizer que não faço parte dos culpados. Muito pelo contrário. Há dois Natais, por exemplo, dei um iPad a PM e ele deu-me uns Louboutin. Nenhum dos presentes foi comprado a crédito, é certo, mas ainda assim não havia necessidade, como dizia o outro. E a verdade é que hoje seria difícil voltarmos a fazê-lo. Porque os tempos estão mesmo muito complicados. Por outro lado, e à excepção da casa, não pagamos nem nunca pagámos nada a crédito; adorava ter um Mini mas tenho um carro com 12 anos; sonho com uma empregada que venha cá a casa todos os dias mas só tenho dinheiro para uma vez por semana... e por aí fora. E, apesar de tudo, sou feliz assim: porque tenho saúde, uma família fabulosa, bons amigos, um emprego e isso é que realmente (me) interessa.
Com isto também não quero fazer dos portugueses os maus da fita. Porque a par destes "portugueses" que descrevo, também existem muitos outros que nunca conseguiram sequer comprar nada supérfluo. E mesmo estes de quem falo, esta imensa maioria que agora sofre para fazer esticar o dinheiro até ao final do mês, muitos deles passaram pelo mesmo na década de 80. E se por um lado deviam ter aprendido a lição, por outro é natural e humano que se queiram ter "vingado" das provações que passaram - e comprado tudo aquilo de que foram privados na época.
É certo que a vida é feita de ciclos e que, daqui a uma ou duas décadas, viveremos novamente uma altura de (falsa) riqueza, para depois "cairmos" novamente. Sempre foi assim e sempre será.
Mas aquilo que me irrita mesmo é a necessidade que os portugueses têm de alienar toda e qualquer culpa: porque eles nunca têm culpa de nada. A culpa é sempre "do governo" (como se não fossem eles a eleger os governos), dos bancos, "lá de fora" ou da má sorte que sempre lhes assistiu. E assim se vão escondendo atrás de um imenso fado que de tudo os isenta e todas as culpas acata. E assim continuaremos a viver numa imensa montanha russa, com altos e baixos bem maiores que os necessários, até nos mentalizarmos de que, da mesma forma como fomos nós que nos metemos nesta embrulhada, também teremos que ser nós a arregaçar as mangas e a sair dela.
E pronto, agora sim: está na altura de me chamarem nomes, apedrejarem em praça pública e condenarem aos ostracismo virtual.