Voltámos para casa anteontem, nesse dia sagrado.
Não há no mundo maior delícia do que a normalidade. Cada palavra da Maria João
soa-me a música amada. Nos livros avisam que a remoção de tumores cancerosos do
cérebro pode provocar alterações de personalidade.
Eu tinha medo que ela deixasse de ser a Maria João
que eu amo. Mais medo ainda tinha que ela deixasse de me amar. A primeira vez
que a vi, poucas horas depois da cirurgia, no remanso dos cuidados intensivos,
perguntei-lhe se ela me reconhecia. E ela recuou a cabeça ligada, fez uns olhos
de surpresa repugnante e perguntou, com convencimento: "Mas quem é o
senhor?"
Nem sequer foi o sentido de humor a primeira coisa
a regressar. Nunca se foi embora. A Maria João não recuperou: manteve-se. O
milagre não lhe era exterior. O milagre é ela. Ela e todas as pessoas de quem
ela gosta, que gostam dela.
Eu bem que tento guardá-la como um segredo. Mas só
estou bem, quando tenho a sorte de ouvi-la e a vê-la e a vivê-la. Escrever
sobre ela é a coisa mais fácil que faço: é uma preguiça e um prazer, como se
conseguisse enganar quem me lê. É virar as costas ao mundo, que vai tão mal.
Mas que é um mundo que ainda contém a Maria João, a pessoa que eu amo, que
ainda aceita o amor que lhe tenho. Que cresce, ao contrário do cabrão do
cancro, previsivelmente, certamente, sem fazer mal; fazendo bem.
Meu grande amor: seja de que maneira for, continua.
Mesmo deixando de gostar de mim. Mas continua. Vive!
8 comentários:
encolhi... encolhi tanto que me doi estar dentro de mim...
Todas as palavras são poucas...
Não pode mesmo! Arrepio-me ao ler os textos que ele escreve, que grande amor!
JA CHOREI :((( NÃO PODE MESMO...que crueldade !!! cabrão filho da pxxxxxx do cancro
III COE!
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Palavras arrepiantes.
Nem esta nem as outras todas anónimas...
Isto é um real caso de amor. Porque é que o cancro leva os melhores?
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