domingo, 29 de abril de 2012

Os Portugueses, A Crise e O Fado


Hoje apetece-me falar da crise. Em princípio será a primeira e última vez, que este blogue é um espaço leve, descontraído e bem disposto e não tem por objectivo deprimir ninguém. Ainda assim, apetece-me verbalizar o evidente - e dizer aquilo que ninguém parece querer dizer.

Então aqui vai: os principais culpados da crise somos nós. Não é (só) o governo, nem os bancos, nem a má sorte, mas sim nós, os portugueses. Por esta altura já devem estar de boca aberta a olhar para o computador e a pensar "esta passou-se!"; mas peço-vos que fiquem por aí e me acompanhem só mais um pouco, pode ser?

Ora, o principal réu de todas as crises, o eterno culpado de toda a desgraça é sempre "o governo". É nele que os portugueses descarregam a sua revolta e centralizam grande parte do mal que lhes cai em cima. E não deixa de ser verdade. Mas esquecem-se que não se trata do último governo apenas, mas sim de uma sucessão deles, uns piores que os outros - eu, por exemplo, acho que o governo de José Sócrates contribuiu particularmente para o estado das coisas, mas outros pensarão o contrário, que isto as histórias têm tantos lados quantas as personagens que nelas participam. Ainda assim, parece-me ser impossível canalizar tudo n"o governo", essa entidade quase asbtracta que constitui o muro das lamentações preferido dos portugueses.

Depois, temos a história dos bancos. E aqui, meus caros leitores, é que a porca torce mesmo o rabo. Porque se é verdade que os bancos emprestaram dinheiro a toda a gente, negligenciando de forma grosseira a taxa de esforço das famílias, também é verdade que ninguém obrigou os portugueses a lhes pedirem dinheiro. E se os portugueses pedem dinheiro para tudo! Como se não lhes bastasse a prestação da casa que maioria é obrigada a pagar, ainda pedem dinheiro para o(s) carro(s), para a televisão, para os electrodomésticos e até para as férias! Sim, porque o português morre se não trocar de carro de quatro em quatro anos, se não tiver uma televisão do tamanho da sala e se não passar as férias da Páscoa no Brasil ou em Cabo Verde! Tudo pago a crédito e, por vezes, com recurso a empréstimos tipo Cofidis para pagar os créditos anteriores. Uma verdadeira pescadinha de rabo na boca.

Com isto não quero dizer que não faço parte dos culpados. Muito pelo contrário. Há dois Natais, por exemplo, dei um iPad a PM e ele deu-me uns Louboutin. Nenhum dos presentes foi comprado a crédito, é certo, mas ainda assim não havia necessidade, como dizia o outro. E a verdade é que hoje seria difícil voltarmos a fazê-lo. Porque os tempos estão mesmo muito complicados. Por outro lado, e à excepção da casa, não pagamos nem nunca pagámos nada a crédito; adorava ter um Mini mas tenho um carro com 12 anos; sonho com uma empregada que venha cá a casa todos os dias mas só tenho dinheiro para uma vez por semana... e por aí fora. E, apesar de tudo, sou feliz assim: porque tenho saúde, uma família fabulosa, bons amigos, um emprego e isso é que realmente (me) interessa.

Com isto também não quero fazer dos portugueses os maus da fita. Porque a par destes "portugueses" que descrevo, também existem muitos outros que nunca conseguiram sequer comprar nada supérfluo. E mesmo estes de quem falo, esta imensa maioria que agora sofre para fazer esticar o dinheiro até ao final do mês, muitos deles passaram pelo mesmo na década de 80. E se por um lado deviam ter aprendido a lição, por outro é natural e humano que se queiram ter "vingado" das provações que passaram - e comprado tudo aquilo de que foram privados na época.

É certo que a vida é feita de ciclos e que, daqui a uma ou duas décadas, viveremos novamente uma altura de (falsa) riqueza, para depois "cairmos" novamente. Sempre foi assim e sempre será.

Mas aquilo que me irrita mesmo é a necessidade que os portugueses têm de alienar toda e qualquer culpa: porque eles nunca têm culpa de nada. A culpa é sempre "do governo" (como se não fossem eles a eleger os governos), dos bancos, "lá de fora" ou da má sorte que sempre lhes assistiu. E assim se vão escondendo atrás de um imenso fado que de tudo os isenta e todas as culpas acata. E assim continuaremos a viver numa imensa montanha russa, com altos e baixos bem maiores que os necessários, até nos mentalizarmos de que, da mesma forma como fomos nós que nos metemos nesta embrulhada, também teremos que ser nós a arregaçar as mangas e a sair dela.

E pronto, agora sim: está na altura de me chamarem nomes, apedrejarem em praça pública e condenarem aos ostracismo virtual.

8 comentários:

Floripes Antunes disse...

Pois...

Vespinha disse...

Muito de acordo, mas não te esqueças que ter acesso a certas coisas faz parte da natureza humana, dos portugueses e de todos os outros. E é indiscutível que não se podem impor aos países do Sul da Europa as mesmas regras e limites vigentes em países em que o nível de vida é quatro ou cinco vezes maior.

Somos assim tão preguiçosos? Seremos, mas não mais do que os outros. E deixam-me doida as ideias que pairam pelo centro da Europa que nos definem como pouco inteligentes, trabalhadores ou empreendedores. Somos sim pouco interventivos, e isso passará por talvez um dia irem para os partidos quem queira enriquecer o país e não a si próprio. Falo em utopias, porque quem assim fala, como eu e tu, não está para se chatear nem para se expor.

Assino eu, que não pertenço a nenhum partido, não tenho créditos para além de metade da casa e trabalho que nem uma moura.

Mary disse...

Na mouche, Vespinha!

Mónica disse...

até creditos para casamentos faustosos quando nao havia nem necessidade nem posses, só vaidade, eu assisti. mas sim, a culpa é "nossa", coisa dificil para o portuguies (em geral) aceitar dado que ninguem nunca assume a culpa de nada. Vemos isso todos os dias na nossa vida pessoal, profissional, e vai entrando em expoente até aos medicos que nao cometeram erros que matam, aos vereadores que deixaram incumprir vistorias que acabaram em desabamentos, etc. Nós nunca temos a culpa e nunca fazemos nada. Apenas "nós" nos queixamos. E olha que há mt pra fazer: porque deixamos que uma sucessao de governos andasse distraido a dar tiros nos pés (até nos nossos) e agora deixamos, no meio da crise, que sejamos realmente roubados. e não fazemos nada. E nao vamos recuperar num par de anos para voltar a poder curir ligeiramente o que agora nos estamos a privar, ou que alguns nunca tiveram. Nãp vai haver crescimento, nao vai haver boom. so se for BUMM porque as pesssoas que estao no governo e em seu redor nao sao apenas ineficazes ou cometodoras de erros: estao seriamente a danificar o pais em prol de beneficios 3ºs. E vamos pagar isso mt caro. Nao sao meros caciques corruptos, sao pessoas intrinsecamente sabedoras do que estão a fazer, abusando da total falta de estrategia do governo, que aflito entrega poderes a outros que decidam por eles. eu que nem nacionalista sou, acho q os V/ filhos nao vao ter pais. aprendam dialecto angolano e chinês, pra já, porque ha mts senhores que querem comprar casas na suiça e em st barts e a vender / vender / vender. E vao sair

ha uns anos ficava tranquila de ter o (pouco() na cgd agora ate me sinto qb aliviada de so la ter dividas

Lúcia disse...

Mary, devido à minha vida profissional, vejo algumas/muitas casas de habitação… casas essas que tanto são de "gama" alta, altíssima, média, baixa ou baixíssima, é o que calha e um dado que eu acho muito curioso é que sem exagero 70% das casas que vejo têm bimby(quase 1000€) e umas 90% tem televisão plana de tamanho muitas vezes exageradíssimo para o sítio onde estão. E atenção que estas percentagens são transversais às "gamas" que referi. Se numa casa de "gama" alta não me choca, por deduzir (às vezes erradamente, imagino eu) que quem lá vive tem poder económico para tal, já numa casa por exemplo de construção económica… surpreende-me! Mas achar que estas pessoas deram cabo do país, não acho, acho que muito provavelmente alguns deram cabo da vida deles e estão afundados em dívidas, tal como dizes Cofidis e afins. Porque há poucos anos atrás os banco ofereciam-nos literalmente créditos, todos temos a experiência de receber cartas em casa a oferecer um X em crédito imediato, só era preciso aceitar… isto para já não falar nos cartões de crédito, que recebíamos chamadas de bancos onde não tínhamos um tostão a oferecer um cartão de crédito!? Eu perguntava-me como é que era possível, porque nem era preciso ter grande conta bancária para isto acontecer. E sim nós portugueses, uns mais que os outros é certo, temos sempre que ter melhor que o do vizinho! Eu não percebo nada de economia, e não sou nem de perto nem de longe o supra sumo da poupança (embora nos dias que correm… todos estamos muito contidos) e sim já me perdi por aquela "coisa", só que dentro de os meus limites e fugindo dos créditos como o diabo da cruz, a não ser os inevitáveis… Agora acho a culpa, muito mais que nossa, é dos sucessivos governantes que por cá têm passado, sem competência, sem visão de futuro (a não ser o futuro deles próprios) sem estratégia (a não ser a estratégia de utilizarem a política em benefício próprio, como se vê pelos cargos que vão ocupar assim que deixam a política). Claro que como em tudo também aqui há exepções, é pena é que sejam uma minoria!
Bjs

Mary disse...

Olá, Lúcia,

Concordo com tudo aquilo que dizes. Quando digo que a culpa é nossa, falo não só de uma culpa activa mas também de uma culpa passiva: nossa, porque falamos mas não nos chegamos à frente (como diz a Vespinha e bem); nossa, porque nem pomos os pés nas urnas para elegermos em quem mais acreditamos (ou em quem menos desacreditamos); nossa, porque estamos sempre à espera de sermos salvos em vez de nos salvarmos a nós mesmos.

Aquilo que mais confusão me faz é, em suma, a alienação da culpa, o baixar de braços permanente em que o nosso povo vive.

Bjs :-*

Lúcia disse...

Mary,
Sim sim, eu concordo tb contigo! Mas acredito, ou pelo menos espero, que já começa a haver uma geração diferente, um pouco mais interventiva.
Deixo-te, e às tuas leitoras, aqui um link (eu e a minha mania dos links…) de uma página do facebook, a página do Zé Pedro Cobra. Se não conheces acredita que vale mesmo a pena. Nessa página estão vários vídeo de intervenções/palestras do Zé Pedro - TEDX, IGNITE, PROGRAMA DA LAURINDA ALVES - FEITOS EM PORTUGAL. Eu tenho o grande privilégio de o conhecer pessoalmente e digo isto com o maior dos orgulhos, porque a mensagem que ele passa nas intervenções que faz é mesmo ele, não é só conversa de ocasião.

https://www.facebook.com/ZePedroCobra

Bjs

Mary disse...

Vou já ver, obrigada, Lúcia :-)